segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Médicos e médicos (3)

 O médico de antigamente era um herói romântico, vestido de branco. As jovens donzelas e as mulheres casadas suspiravam ao vê-lo passar... ele era um cavaleiro solitário que lutava contra a morte. Quem jamais ousaria pensar qualquer coisa de mal contra o médico? Hoje são comuns os processos por erros médicos por imperícia. Ser médico transformou-se num risco. Porque ninguém mais acredita na sua santidade... um dia fui ouvir uma palestra do Diretor do hospital da cidade de Princeton, nos EUA. Ele começou sua preleção com esta afirmação: ‘O hospital de Princeton é uma empresa que vende serviços’. Meu Deus! Eu pensei: ‘aquele médico não existe  mais’. E percebi que, agora, os médicos se encontram lado a lado com prestadores de serviço, os encanadores, os eletricistas, os vendedores de seguros, os agentes funerários, os motoristas de táxi. É só procurar na lista de classificados. A presença mágica já não existe. O médico é um profissional como os outros. Perdeu sua aura sagrada. E me veio, então, uma definição do médico compatível com a definição do diretor de Princeton: ‘um médico é uma unidade biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos especializados, e que vende serviços’... acho que os médicos, hoje, são infelizes por causa disto: eles resolveram ser médicos por desejarem ser belos como o cavaleiro solitário, puros como o santo, e admirados como o feiticeiro. Era isso que estava dentro deles, ao tomarem a decisão de estudar medicina. E é isso que continua a viver na sua alma, como saudade... os médicos sofrem por saudade de uma imagem que não existe mais.


(Rubem Alves)

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