Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anonima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso!
Ó céu!Ó campo! Ó canção!
A ciência pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro!
Tornai minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
("Ela canta, pobre ceifera", Fernado Pessoa)
Um comentário:
Postei Fernando Pessoa sem saber que hoje era o dia dele.O Google avisou: 123º aniversário!
Feliz coincidência. :)
Postar um comentário