Até Drummond hesitou tentando definir João. Afinal, “muita coisa importante falta nome”.
João era o tipo de gente que cativa, confunde, encanta. Sem se dar conta, ele mesmo não se cria: "às vezes, quase acredito que eu mesmo, João, seja um conto contado por mim."
Guimarães Rosa era Riobaldo, era Miguilim, era Manuelzão. Era um infinito ser em cada personagem. E por ser todos em si, ainda é, hoje.
O simples contador de história dos sertões é o mesmo grande escritor, um dos maiores do Brasil, um dos grandes em todo o mundo. É o estudante de Medicina que ingressou na faculdade com apenas 16 anos. É o que, já naquela época, foi premiado por todos os contos que inscreveu em um concurso. É o médico-escritor, desde 1930. Desde essa época médico, pois impossível é precisar quando nasceu como escritor. Era o médico que se impressionava com duas coisas: o parto e a incapacidade de salvar as vítimas da lepra.O escritor que deixou a medicina por outras duas:a falta de recursos médicos e o transbordamento de sua emotividade.
É o magnífico desbravador das Veredas de Riobaldo, Diadorim e de todos nós. O que nos surpreende pela capacidade de desvendar a si mesmo e a nós, como o sertão. “Sertão: é dentro da gente”. E assim alcançar todo o mundo, várias línguas e povos, num neologismo universal: a linguagem da alma.
É o que adiou a posse na Academia Brasileira de Letras, talvez por pressentir que logo após viria seu encantamento. E quando afinal, assumiu, avisou: “A gente morre é para provar que viveu”. E provou, três dias mais tarde, quando morreu “o maior escritor”, como informou o “Jornal da Tarde”.
Guimarães Rosa é expressão coletiva, ouvida por muitos brasileiros. Poucos, no entanto, conhecem a grandiosidade do homem e do escritor.
Talvez seja este o seu mistério: João Guimarães Rosa é para poucos, mas é de todos.
“Eu toda a minha vida pensei por mim, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo...” (João Guimarães Rosa)
(Jeq*)
*promessa cumprida: um pouco de Guimarães Rosa na visão de uma leitora e aprendiz.
Texto classificado para a III Jornada Guimarães Rosa da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames)