sábado, 31 de dezembro de 2011

Onze



...sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações...
(Eça de Queiroz, em "O prímo Basílio") 









Felicidade é só questão de ser

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Matar nossos deuses (2)

Deus não pode ser identificado com nossas experiências e sentimentos, nem mesmo com as emoções do nosso coração. Deus não é nossas boas inclinações, nosso fervor, nossa generosidade ou nosso amor. Todas estas experiências do coração podem nos fazer lembrar a presença de Deus, mas a sua ausência não prova a ausência de Deus. Deus não é apenas maior que nossa mente, ele é também maior que nosso coração. Da mesma forma que devemos evitar adaptar Deus aos nossos conceitos limitados, devemos também evitar adaptá-lo aos nossos sentimentos, também limitados. Somente quando somos capazes de perceber que nossas limitadas experiências não podem servir de critério para avaliar nem julgar os outros, aí é que abrimos nosso coração e mente para receber o próximo. Percebemos que a vida é maior que a nossa própria vida, que a história é maior que a nossa própria história, que a experiência é maior que a nossa própria experiência, e que Deus é maior do que imaginamos.


(Ricardo Barbosa em "Janelas para a Vida, citando Henry Nouwen)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Drummond X Stott: um encontro imaginário

"O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. 
Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando. 
A ordem, meus manos e desconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mas subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. 
Viva a música, viva o sopro de amor que a música e banda vem trazendo,e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, e que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, na falta de ar."
(Carlos Drummond de Andrade,em análise da Música "A Banda" de Chico Buarque)

E agora, José? Como proceder?

"Amor não se conceitua, não se explica,apenas se experimenta e vive-se dele.
Quem ama vive em diaconia permanente. Diaconia da palavra, diaconia social e política.
A diaconia do amor nos salva de nossa própria desumanidade, do isolamento, da indiferença, da insensibilidade, nos salva da ganância, do egoísmo, da acumulação e, consequentemente, da correria célere da vida."
(John Stott)


domingo, 25 de dezembro de 2011

E eu, um ser mortal, me sinto bem seguro...*

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde?
Transito entre dois lados 
De um lado eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto para quem?




*Sl 16,9

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Bem da vida

A amizade é uma das maiores dádivas que o ser humano pode receber. Ela está para além dos alvos comuns, dos interesses compartilhados ou das mesmas histórias. É mais forte do que a atração física, mais profunda do que a solidariedade ou um projeto de vida. A amizade é a alegria de dar e receber, de amar e sofrer, de confiar e entregar sem reservas. É estar com o outro, mesmo quando não podemos nem aumentar a alegria, nem diminuir a tristeza. Amizade é o encontro de almas que a promove a nobreza do amor.


O culto ao individualismo, a busca pela realização pessoal, o narcisismo, a satisfação imposta pelo consumismo, tudo isso tem criado em nós uma sensação falsa de preenchimento e uma percepção cínica da amizade.
(...)
De um lado, nossa vida pode ser resumida na busca por um amigo, na renúncia da solidão; mas, por outro, rejeitamos a idéia de qualquer relacionamento cuja intimidade levante suspeitas sobre nossa integridade e comprometa nossa liberdade.


Foi a amizade entre Davi e Jônatas que livrou Davi da loucura de ser um homem amargo, doente e vingativo. (...).Davi tinha tudo para ser alguém assim. No entanto, a amizade de Jônatas surge como um jardim no meio do deserto de Davi. Ela o preserva, guarda seu coração e alma, mantém sua humanidade firme e verdadeira. A amizade salvou Davi.


(...)


 Se temos medo de amar, se não aceitamos os riscos e deficiências da amizade, então dificilmente construiremos os vínculos da comunhão. Nenhum amigo jamais preencherá sozinho as lacunas da nossa alma ou da nossa solidão. Mas é na amizade, com todas as suas limitações, que podemos experimentar o amor incondicional e ilimitado de Deus. É nela que aprendemos a dar e receber, a amar e ser amados, a perdoar e a compreender. 


(Ricardo Barbosa, em "Janelas para a Vida")


(Um amigo) Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir.


(Rubem Alves)


A gente só conhece bem as coisas que cativou .
-Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma.Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos,os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!



Tu não és para mim senão uma pessoa inteiramente igual a cem mil outras pessoas. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...




Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.


(Antoine de Saint -Exupery, em "O Pequeno Príncipe")




"Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça dos demais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou - amigo - é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é."


(João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão:Veredas")






Eis o momento de ouro [da vida]: (...) quando o mundo todo, e algo além dele, se abre às mentes, enquanto conversamos; e ninguém tem qualquer queixa do outro ou responsabilidade por ele, mas todos são homens livres e iguais, como se tivéssemos nos conhecido pela primeira vez uma hora atrás, ao mesmo tempo em que somos envolvidos por uma Afeição amadurecida pelos anos. A vida - a vida natural - não tem um presente melhor a dar. Quem poderia merecê-lo?


A Amizade talvez seja responsável por metade de toda a felicidade do mundo, que nenhum círculo interno jamais poderá produzir.


(C.S.Lewis)





Amor que não se mede

Ele me faz descansar em pastos verdes
e me leva a águas tranquilas
Ele renova minhas forças
e me guia por caminhos certos
como ele mesmo prometeu.      
(Sl. 23, 2-3)


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

‎"Assim como a gente se arruma para sair, literatura é se arrumar por dentro."
 [Carpinejar]

domingo, 11 de dezembro de 2011

Postagem atrasada...

Bonito e absurdo

O estranho chamado João é desconcertante, constrangedor. João é capaz de ler a gente sem a gente querer ser lido, sendo a gente grande ou pequeno, feio ou bonito, pobre ou rico. João invade nosso sertão e descobre nossos medos, desejos e quereres. João nos emociona, quase nunca nos irrita, nos comove e intriga. João faz perguntas que ressoam em nós por um tempo quase tão grande quanto a eternidade, e nos dá respostas tão óbvias que só mesmo a gente sendo cego pra não ter visto antes. João inventa palavras que nosso cérebro estranha, mas nossa alma reconhece.
João é o menino Miguilim que nasceu lá no fundo de Minas. É o menino Miguilim quando, emotivo, abandona a medicina após ver muita espécie de dor. É Miguilim quando se espanta e quando revela: “o que Deus quer da gente é coragem”. E aí se torna a coragem de Augusto Matraga, a redenção de Augusto Matraga, a obstinação assustadora de Augusto Matraga. A obstinação de quem aprendeu muitos idiomas, o idioma do sertanejo, e o mais difícil deles: o idioma da alma. A alma comum e universal mas individual do Riobaldo, a sabedoria e a cantiga do Riobaldo, e mais o amor sagrado do Riobaldo, a competência do Riobaldo. Competência diplomática, que levou o mineiro de Cordisburgo para o mundo. João também é o mistério do Diadorim. O mistério do adiamento da posse na Academia Brasileira de Letras. É a morte de Diadorim, prematura e encantada.
João é cena, cenário, sina, sensação. É uma usina de cores, sabores, gostos, sentidos. Os pássaros, os rios, as matas e os pastos, a encruzilhada: tudo isso também é de João.  É saga, vereda. Veredas.
É fabulista, fabuloso, uma fábula de Drummond. Por encanto é conto, canto e encantamento. João é música e poesia em forma de prosa. Prosa de compadre, papo de jagunço, prece de beato.
É um pouco de dor, um tanto de medo, um mundo de riso, meio luta misturada com sonho. É “a coragem, a alegria,o amor, a reza,o fazer, o contar, enfim o viver”. João é sobretudo o perigo,perigoso mesmo é viver. João desvenda a vida: no real, é pura travessia.
João era de verdade ou se fingia? João é, João há de sempre. João é quase incrível. “Quando acordei, não cri: tudo que é bonito é absurdo



2º lugar na categoria universitários da IV Jornada Guimarães Rosa, realizada pela SOBRAMES-BH, em 14-15outubro/2011.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

‎''... Mas a fé, abençoada seja ela para todo o sempre, além de arredar montanhas do caminho daqueles que do seu poder se beneficiam, é capaz de atrever-se às águas mais torrenciais e sair delas enxuta."

[José Saramago]