sexta-feira, 19 de junho de 2009

Caixinhas

"Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões."
Paulo Mendes Campos

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Quando se está só

No quarto do hospital, há três camas, três enfermos. Mas apesar disso seu Antônio está sozinho. Há vários médicos e estudantes à sua volta, mas ele se sente como se fosse apenas um quadro admirado e discutido por todos eles, mas está sozinho. Os médicos explicam a ele que vão fazer um procedimento muito importante, retirar o líquor para ver se está normal. Aplicam uma substância gelada em suas costas, tentam anestesiá-lo, mas a anestesista demora até conseguir; começam a retirar o líquido tranparente, que parece demorar horas até alcançar um volume adequado. Seu Antônio grita, diz que está sentindo dor, incômodo, qualquer coisa... uma das médicas pede a ele que fique calmo, que este exame é muito importante para ele e que já está quase acabando. O que a moça não sabe é que, na verdade, é o coração de seu Antônio que está gritando. Queria que, nesta hora, alguém estivesse ali,segurando a sua mão, dizendo baixinho que tudo vai passar, tudo vai passar. Queria que alguém pudesse ouvi-lo nos momentos de tristeza e incerteza. Queria um "bom dia" mais íntimo que aquele que ouve todos os dias dos médicos que sempre lhe fazem tantas perguntas.
No quarto da frente está Tadeu. Confuso, desorientado. Não se lembra muito bem como veio parar ali. Conta às estudantes uma história, inventa sintomas porque elas insistem em querer saber o que aconteceu. Deixa que elas o examinem da cabeça aos pés. Mas não lhes revela o que se passa na mente e no coração. Há 30 dias está no hospital, mas ainda não recebeu nenhuma visita. Enquanto conversa com as estudantes, chega um senhor que trabalha no hospital, pergunta aos outros leitos os nomes de seus acompanhantes, para anotar no cadastro do hospital. Quando chega a vez de Tadeu, ele diz que não tem acompanhante. Pensa em dizer que está só, que ninguém veio saber o que está acontecendo, que prefere ficar ali mesmo do que ir embora; ali sempre tem algum jovem, tão inexperiente, às vezes inseguro, mas sempre há alguém a perguntar o que sente, como está, se dormiu bem durante a noite. Tadeu chega mesmo a contar a elas a verdade mais dura de sua vida: que perdeu amigos, família, emprego e dignidade em nome do vício. Que estava confuso, perdido, desorientado, bêbado quando foi levado ao hospital. Só não conta que, depois disso, ninguém veio lhe procurar. Nem mesmo sua mãe, nem sua única filha.
No restaurante, o jovem ri da piada contada pela moça à sua frente. Eles passam horas e horas se divertindo, contando histórias, fazendo brincadeiras. Mas ele não conta que há algumas horas pensou que nada disso valia mais a pena. Que já estava cansado de não ter com quem conversar por dias, além dos colegas de trabalho. Não quis dizer a ela, depois de sete meses sem se falarem, que aquele seria apenas mais um encontro de velho amigos da faculdade, mas que depois iriam embora novamente, vários meses se passariam até que se encontrassem novamente, e ele continuaria sua vida, sua rotina, sem família, sem amigos, sem sentido.
A moça cotinua rindo, relembra o velho apelido do rapaz à sua frente, conta histórias sobre sua nova vida, diz a ele que está muito feliz. Só não conta que voltou a morar com os pais, mas eles não a tratam como antes. Depois da separação, teve que se humilhar e voltar à casa dos pais, pois não tinha onde morar. A mãe aceitou a sua volta, não sem antes fazer um olhar que significava "eu não te disse que ele não prestava?", o pai mostrou-se indiferente. E indiferente eles continuaram, já havia três anos. E ela só podia conversar com sua psicóloga, pois os velhos amigos haviam ido embora, sem dar notícias, sem fazer perguntas. E, depois que pagasse a conta, mais um deles iria embora novamente, e talvez se encontrassem novamente em meses, talvez nunca mais. Ela não queria admitir, mas a verdade é que estava só. Só.
(Jeq*)